20/02/14

Pintar

Estudar pintura deu-me duas coisas e tirou-me uma.

Deu-me acima de tudo método e disciplina. A validade do exercício e como este se transporta para o trabalho dito autoral, difícil de obter de forma autodidacta. Acresce a capacidade de abstracção da essência de um trabalho que, como na escrita, é absolutamente solitário. Aqui a possibilidade de continuar a trabalhar mesmo em períodos vazios de criatividade ou rasgo.

Num segundo plano estudar obrigou-me a questionar, o que se revelou construtivo e contraproducente. Por um lado aguçou a curiosidade promovendo a auto-instrução, por outro, afastou-me da fundação inicial: a capacidade de pintar por impulso. Limitou-me de certa forma a liberdade.

Relembro um episódio em que o professor Y queria que eu aumentasse a escala dos meus desenhos, numa altura em que estava a trabalhar sobre papel A1 (59,4x84,1cm) e A2 (42x59,4cm). Fui, naturalmente, diminuindo a escala. Não por me julgar Salvador Dali mas porque era o que na altura fazia sentido, a produção em série num curto espaço de tempo assim melhor se coaduna. A cena culminou quando mostrei uma série de desenhos tão pequenos que o professor disse - e com razão - que não estava ali para fazer postais. 

Adquiri a noção do quão difícil (sendo generoso) é ensinar Arte. Sendo o ensino da Arte um negócio que nos prepara para um outro negócio - o mercado da Arte - a certo ponto sentimos-nos a debater contra-sensos. 

A pintura deu-me algo que não foi ensinada: uma nova forma de olhar. Apercebi-me que tinha o olhar educado. Antes de observar e analisar, reconheço e associo. Aprender a pintar é em parte aprender a contrariar esta visão adquirida. Só perante o exercício de retratar um tema o decompus, e gradualmente adquiri consciência de uma riqueza visual escondida que abunda em tudo. 




morandi


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