21/10/14



Praia da Poça. Calor seco, céu limpo. A água quente convidativa.

Estranho. Banhos quase em Novembro. 

Foi nesta praia que a minha Mãe e os seus irmãos passaram a infância, cinquenta anos antes.

Aqui.

Imagino-os a brincar na areia, a minha Avó atarefada e distante entre os planos do dia.

E agora eu. Na praia deles. Imaginando-os quando não existia. 

conta-corrente (2)


6 de Junho de 1969

Ainda o Diário do Sacramento. Como é que o coeur mis à nu pode ser uma sedução? se puséssemos por escrito tudo o que nos passa por dentro, seríamos monstruosos. Sou absolutamente incapaz de me "confessar" seja a quem for, nem sequer a mim próprio. Há dias, em conversa com o Ramos Rosa (estava a Regina) falou-se de psicanálise. Insurgi-me contra essa baixeza de um indivíduo pôr tudo ao léu. Regina disse. "Tens medo." Mas não é verdade. Se me não ponho nu na rua, não é por medo. Se não alivio em público os gases intestinais, não é por medo. É um problema de decência, de respeito por nós, de equilíbrio, de autodomínio. Aliviar, pela confissão, o que nos pesa, é que é fraqueza. Aguento enquanto posso. Com dificuldade, às vezes. Mas vou aguentando. Há instantes em que um pequeno toque, um breve impulso mais nos dissolve na loucura. Conheço esses instantes. E então penso: "Vais enlouquecer." Até hoje, tenho ficado do lado de cá. Costumo dizer: do pescoço para baixo tenho tudo em saldo. Do pescoço para cima, tudo funciona bem. Isto o disse, aliás, ao D., que em certa entrevista admitiu que os problemas de "angústia" eram para o psiquiatra. É que ele já esteve internado... Quase todos os que me acusam, aliás, passam a vida a caminho do psiquiatra com as suas obsessõezinhas debaixo do braço. Possivelmente a arte tem sido para mim a grande catarse destas coisas. Antes de escrever Manhã Submersa sonhava muito com o seminário, com o desejo e impossibilidade de sair dele. Nunca mais sonhei. 

É boa. Sou contra a confissão e confessei-me. 


Virgílio Ferreira
conta corrente
Livraria Bertrand (1980)

20/10/14

17/10/14

04/10/14

02/10/14

Quando a ideia sai da gaveta

Há um ano decidi que queria fazer um jogo de tabuleiro


Comecei a trabalhar numa ideia que envolvia personagens com habilidades. Passado pouco tempo o Vasco fala-me de um jogo que concretizava a minha ideia. Enfiei a ideia na gaveta e deixei-a repousar junto das outras.

Passado um ano abri a gaveta e encontrei o meu jogo.

Por norma as personagens são atribuídas no início mas e se as acções do jogador definissem a sua personagem e não ao contrário?

Mãos à obra.

Existem duas correntes tradicionais a nível de design de jogos. A corrente Americana (top-down) parte da temática para a mecânica, a Alemã (bottom-up) foca-se na mecânica e depois no tema.

A abordagem bottom-up pareceu-me mais eficiente para amadores. 

Inicialmente o mais complicado foi encontrar um sistema de recursos original e equilibrado. Uma vez estabelecido, comecei a trabalhar no esqueleto da dinâmica do jogo.

No último ano estudei métodos de criação de jogos, assim como artigos de alguns criadores e
game developers. Todos frisam dois pontos-chave.
  • Parte do simples para o complexo. Começa com o modelo-base a partir daí acrescenta complexidade.
  • Não esperes ter sucesso com o teu primeiro jogo.
Falhei no primeiro e discordei no segundo.

Acrescentei um mundo de complexidade ao jogo sem sequer me aperceber disso. Quando passámos à fase de teste percebi que era uma dor de cabeça acompanhar tanta informação em simultâneo.

Da teoria à prática, um exercício que escasseia.

Com o segundo ponto não posso concordar porque não existem regras universais sobre o que funciona ou não. Também é mais difícil trabalhar numa ideia condenada ao fracasso.

Fast-forward. Tinha a base do jogo. Falei da ideia a dois dos meus melhores amigos – o Miguel e o Diogo - com os quais jogo desde que tenho 12 anos. O entusiasmo deles foi uma surpresa e uma dádiva.

Interessaram-se tanto pelo projecto que agora fazem parte dele. Sem eles este texto não seria escrito.

Houve um período de brainstorm intenso, onde afloraram milhares de ideias. Brotava um entusiasmo contagiante. A nossa melhor decisão foi construir o protótipo e passar rapidamente à fase de testes. 

É onde estamos agora.

O processo está a ser tão divertido que as horas investidas são lazer e não trabalho. Temos uma excelente dinâmica de equipa: A facilidade no relacionamento permite-nos ir ao essencial sem medo de ferir susceptibilidades. Cada um traz diferentes mais valias à mesa.


Não se joga sem objectivos. 

E o nosso é que esta ideia não volte à gaveta.

Fica melhor na prateleira.

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