09/09/14

Tortura e obra-prima

Fomos à cinemateca. Sob o efeito. Iniciava-se um ciclo sobre o cinema Russo. Nasdróvia, pensámos. Chegamos. Uma inundação de gente de gala, fatos e vestidos, a respectiva pompa e circunstância. Eu e o Vasco os maltrapilhos do costume. Atacámos o vinho branco com alguma astúcia. Não deu para muito, o espectáculo começava. Entrámos. Sala cheia. Os únicos que ali estavam por acaso. Antes do baile havia cerimónia (de abertura): o embaixador Russo, a directora da Cinemateca e uma tradutora. O Russo discursa. Em Russo. Esboçamos o sorriso. Controlado. Vem a tradutora num português arranhado pelo sotaque Russo. Não! O riso aperta. Difícil disfarçar. Já não olho para o Vasco. Baixamos a cabeça. Aguenta. Respira fundo. Depois, a directora. É gaga. Não dá. Primeira gargalhada sonora ecoa pela sala. Sentimos os olhares embaraçados. A tradutora passa para Russo. Estamos neste momento em posições dignas de kamasutra. Eu choro, o vasco chora. Não conseguimos respirar. O processo recomeça. O Vasco não controla e ri-se tão alto que eu penso que temos que sair da sala. Os oradores hesitam. Olhos colados no chão, agachados e agarrados à barriga. Um sofrimento imenso. Saímos ou não? Aguentamos. Em convulsões na cadeira. Se ao menos tivéssemos ido para o fundo da sala...

Uma eternidade depois a conferência acaba. Um martírio. Estou prestes a desfalecer. Sem oxigénio no cérebro. Não trocamos um olhar há cerca de quinze minutos.

A luz apaga-se.

Finalmente suspiramos. O corpo já dorido. 

O filme começa.

Depois da tortura a obra-prima.

Quem diria.

 .