Limelight (1952)
1931,
Charles Chaplin está a filmar City Lights; quatro anos depois de The Jazz
Singer, o primeiro filme com som sincronizado. Chaplin - então com 42 anos -
não consegue gravar uma das cenas iniciais do filme em que o little fellow
compra uma rosa a uma jovem cega. Centenas de takes mas nada funciona.
Passam-se meses e meses sem filmar até que a solução surge: a porta de um carro
a fechar cria um equívoco e o little fellow esgueira-se sorrateiramente.
A
descoberta do som sincronizado veio revolucionar a indústria e a concepção do
que era, ou do que devia ser, um filme. Charles Chaplin franzia o sobrolho
confessando algum receio de ser considerado antiquado, mas já na era do som
continuou a fazer filmes mudos: mais do que dizer era importante mostrar.
Por
esta altura Chaplin era já uma super-estrela mundial. Aos 28 anos assinava um
contrato de oito filmes com a First National - uma das primeiras grandes
corporações do cinema. Um ano mais tarde tentou terminar o contrato, quando
fundou a sua própria distribuidora. A First National não aceitou a rescisão e
Chaplin viu-se forçado a completar os seis filmes que restavam. Não será por
acaso que o último filme sob a égide da First National, The Pilgrim, conte a
história de um prisioneiro em fuga.
The Pilgrim (1923)
A
necessidade de ser o próprio produtor dos seus filmes está relacionada com o
seu método invulgar de trabalho: o filme parte de uma cena, um personagem ou
peripécia e cresce. Uma cena filmada no fim do filme pode alterar o seu início (como
acontece em The Immigrant). A série Unknown Chaplin, de Kevin Brownlow e David
Gill, mostra as poucas imagens que
sobreviveram de Chaplin a trabalhar:
Em
off, The Tramp deambula pelo cenário como quem procura um episódio, um pretexto
escondido. Improvisa, altera objectos, muda roupas, cria e retira personagens.
Numa altura remota ao digital, estes ensaios filmados saiam bastante caros: das
centenas de takes filmados apenas um pequeno pedaço de película resistia. O
restante material era queimado.
A
obra de Chaplin demonstra um cuidado particular com o detalhe, seja um gesto ou
objecto. Apesar de serem grandes produções - Gold Rush custou 1 milhão USD em
1925 - os filmes aparentam uma grande economia de meios, uma simplicidade
elegante. Um naturalismo fiel às relações humanas e à forma como nos
comportamos em sociedade.
Quando
pensamos em Chaplin pensamos em The Tramp: um homem ingénuo e distraído,
apaixonado, cordial e solitário. Talvez de forma singular na história do
cinema, o objecto da criação se tenha substituído ao criador. Mas Chaplin é
muito mais que The Tramp: Actor, realizador e compositor. A sua longa vida foi
também marcada pelo sofrimento. Desde a infância nos orfanatos até aos últimos
anos no exílio. A obra é o espelho de quem nunca esqueceu as suas origens.
Uma
comédia pode ser muito mais que uma gargalhada: a paternidade e a maternidade,
a injustiça e a pobreza, o amor, a crítica à guerra, ao capitalismo e ao luxo,
são temas abordados de forma séria e com um humor inteligente, que valoriza o espectador. Chaplin é a prova de que a arte também pode ser leve.
Cem
anos volvidos, o cinema continua a operar sobre os mesmos sentimentos e emoções. Para isso não é preciso muito mais que um little fellow a comprar uma rosa a
uma senhora cega.
City Lights (1931)