26/03/15

Cem anos de Chaplin

Limelight (1952)

1931, Charles Chaplin está a filmar City Lights; quatro anos depois de The Jazz Singer, o primeiro filme com som sincronizado. Chaplin - então com 42 anos - não consegue gravar uma das cenas iniciais do filme em que o little fellow compra uma rosa a uma jovem cega. Centenas de takes mas nada funciona. Passam-se meses e meses sem filmar até que a solução surge: a porta de um carro a fechar cria um equívoco e o little fellow esgueira-se sorrateiramente.

A descoberta do som sincronizado veio revolucionar a indústria e a concepção do que era, ou do que devia ser, um filme. Charles Chaplin franzia o sobrolho confessando algum receio de ser considerado antiquado, mas já na era do som continuou a fazer filmes mudos: mais do que dizer era importante mostrar.

Por esta altura Chaplin era já uma super-estrela mundial. Aos 28 anos assinava um contrato de oito filmes com a First National - uma das primeiras grandes corporações do cinema. Um ano mais tarde tentou terminar o contrato, quando fundou a sua própria distribuidora. A First National não aceitou a rescisão e Chaplin viu-se forçado a completar os seis filmes que restavam. Não será por acaso que o último filme sob a égide da First National, The Pilgrim, conte a história de um prisioneiro em fuga.

The Pilgrim (1923)

A necessidade de ser o próprio produtor dos seus filmes está relacionada com o seu método invulgar de trabalho: o filme parte de uma cena, um personagem ou peripécia e cresce. Uma cena filmada no fim do filme pode alterar o seu início (como acontece em The Immigrant). A série Unknown Chaplin, de Kevin Brownlow e David Gill,  mostra as poucas imagens que sobreviveram de Chaplin a trabalhar:

Em off, The Tramp deambula pelo cenário como quem procura um episódio, um pretexto escondido. Improvisa, altera objectos, muda roupas, cria e retira personagens. Numa altura remota ao digital, estes ensaios filmados saiam bastante caros: das centenas de takes filmados apenas um pequeno pedaço de película resistia. O restante material era queimado.

A obra de Chaplin demonstra um cuidado particular com o detalhe, seja um gesto ou objecto. Apesar de serem grandes produções - Gold Rush custou 1 milhão USD em 1925 - os filmes aparentam uma grande economia de meios, uma simplicidade elegante. Um naturalismo fiel às relações humanas e à forma como nos comportamos em sociedade.

Modern Times (1936)

Quando pensamos em Chaplin pensamos em The Tramp: um homem ingénuo e distraído, apaixonado, cordial e solitário. Talvez de forma singular na história do cinema, o objecto da criação se tenha substituído ao criador. Mas Chaplin é muito mais que The Tramp: Actor, realizador e compositor. A sua longa vida foi também marcada pelo sofrimento. Desde a infância nos orfanatos até aos últimos anos no exílio. A obra é o espelho de quem nunca esqueceu as suas origens.

Uma comédia pode ser muito mais que uma gargalhada: a paternidade e a maternidade, a injustiça e a pobreza, o amor, a crítica à guerra, ao capitalismo e ao luxo, são temas abordados de forma séria e com um humor inteligente, que valoriza o espectador. Chaplin é a prova de que a arte também pode ser leve.

Cem anos volvidos, o cinema continua a operar sobre os mesmos sentimentos e emoções. Para isso não é preciso muito mais que um little fellow a comprar uma rosa a uma senhora cega.

City Lights (1931)

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